"Botellón" na primeira sexta-feira com a nova lei do álcool

Já está em vigor a lei seca para menores, mas os bares estão cheios. Só quem parece muito, muito novo tem de mostrar BI.
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A noite está fraca, o festival de música Summer Fest a decorrer na Ericeira (Mafra) tirou alguns miúdos das ruas de Santos, mas não é preciso procurar muito para encontrar menores de 18 anos a beber. Numa das zonas mais procuradas de Lisboa pelos adolescentes que começam a sair à noite - ou ainda não conseguem entrar noutros bares e discotecas -, logo ali adiante, há uma dezena de rapazes de calças de ganga, T-shirts ou polos que, sem nenhum receio, bebem à porta de um bar. Acabaram de comprar as imperiais lá dentro, apesar da lei seca para menores.

"Não vai mudar nada", dizem, quando se fala na proibição de um estabelecimento vender álcool a menores de 18 anos, em vigor desde quarta-feira. Até então, à exceção das bebidas espirituosas, o limite eram 16 anos. "Temos 15", revelam, confirmando o que os rostos indiciavam. "Ali não nos quiseram vender, mas aqui já venderam. Vamos tentando até conseguirmos", descreve o grupo que começou a sair à noite neste ano. Agitam-se quando passa uma carrinha da polícia. Não parou. Podem voltar aos copos.

Na primeira sexta-feira de lei seca são sobretudo as aparências que ditam o desenrolar da noite. Quem está atrás do balcão ou a controlar a entrada nos bares garante que pede a identificação a todas as pessoas que queiram consumir álcool. Não é bem assim, admitem depois. Só quem parece mais novo é que tem de provar que é maior. "Ainda há bocadinho estiveram aqui umas meninas que "tinham 21 anos" e, depois de eu ter perguntado a idade, já não quiseram beber nada. Mas prefiro perder clientes do que a polícia estar ali a ver e depois vir aqui", conta Rui Fernandes, sem abandonar o balcão, que dá para a rua, do Clandestino, no Bairro Alto. A contraordenação para quem vende álcool a menores pode chegar, de acordo com a legislação em vigor, aos 30 mil euros.

Mas os miúdos nem precisam de entrar para beber. Há quem peça aos mais velhos que comprem bebidas para todos, há quem passe pelo supermercado antes de ir para a noite, há quem traga de casa e nem gaste dinheiro. O botellón resiste como se não houvesse nenhuma lei, como se comprova numa passagem pelas ruas onde os adolescentes se juntam, garrafas de litro - de vinho, cerveja, vodca - na mão, a rodar entre todos os do grupo.

Controlo surpreende

Pai de uma rapariga de 15 anos, o dono do bar concorda com a restrição de idade, mas não esconde que é difícil distinguir quem é ou não é oficialmente adulto. E que nada impede, acrescenta Américo Martins, gerente do espaço, que uma pessoa mais velha compre para outra mais nova. "Nós sempre fomos rigorosos", sublinha, lamentando que hoje não se beba com a mesma responsabilidade que se bebia quando era jovem. "Comecei com 14 anos, mas era diferente." A conversa é interrompida por um grupo ainda a decidir se ficará a beber na rua ou se se sentará no estabelecimento que há mais de duas décadas está instalado na Rua da Barroca. "Estes não tenho dúvidas", diz discretamente, sem precisar de acrescentar que não pedirá que mostrem o bilhete de identidade ou o cartão de cidadão. Ali, como no Cais do Sodré, é um público adulto que enche ruas, esplanadas e o interior nas discotecas. O cenário começa a mudar nas traseiras do Mercado da Ribeira e altera-se definitivamente em Santos.

Ao fundo da Avenida D. Carlos I, a idade média não ultrapassa os 16 anos. Alguns ainda nem têm idade para entrar no secundário, mas conseguem levar os mais velhos a comprar-lhes um copo ou uns shots. O grupo de dez rapazes destaca-se, mas não é o único. A maioria tenta entrar nos locais onde já são tratados pelo nome, mas a presença de jornalistas torna os donos mais zelosos - mesmo onde, minutos antes, se vendera bebidas alcoólicas sem fazer perguntas.

"Para comprar uma pastilha, podias entrar", diz à entrada de um café o gerente do espaço a um adolescente que não esconde conhecer já de outras noites. Não quer revelar o nome. Também se queixa da dificuldade em distinguir quem é menor ou maior de 18 anos mas vai barrando a passagem aos claramente mais novos - gesto que parece surpreender alguns.

A dinâmica repete-se no Largo de Santos. Perscrutando quem quer entrar quase de forma intimidatória, o segurança de um bar tenta perceber quem poderá não ser adulto. "Temos mais de 20", responde, entre o riso e o tom ofendido, uma das raparigas de um grupo. Parece ser mais fácil quando se trata de rapazes. Entre os quatro rapazes que podem entrar, dois têm menos de 18. São os únicos que têm de mostrar o cartão de cidadão. Optam todos por ir a outro lado. "As raparigas é mais difícil. Basta porem uns tacões, um vestido e maquilharem-se para parecerem mais velhas", admite o vigilante.

No bar ao lado, um rapaz com menos de 16 anos é o único de um trio a beber uma imperial. "Antes comigo do que por aí sozinho", diz o irmão, já adulto. Todos concordam, porém, com o novo limite mínimo de idade para comprar qualquer bebida alcoólica. "Costumam andar aí miúdos muitos novos: 12, 13, 14 anos", diz a rapariga.

Não é de estranhar que Sérgio Serrano, gerente de um outro bar, espere que esta seja uma forma de passar a ter um público mais adulto. Até porque, assegura, já antes permitia que entrassem apenas maiores de 18 anos, para prevenir que os jovens de 16 e 17 não consumissem, tal como previa a lei de 2013, bebidas espirituosas. "É mais complicado controlar a saída de copos para a rua", contrapõe, referindo-se à proibição, imposta pela câmara, de, ali e noutras zonas de diversão noturna da capital, os clientes saírem com copos para a rua a partir da 01.00.

Passa das 02.30 de sábado e, no jardim do Largo de Santos, mais de uma dezena de grupos juntam-se a beber. Aproveitam a noite amena e a música que sai dos bares. Está escuro de mais para dizer com certeza que idade têm. Alguns bebem de copos que só poderiam ter sido comprados em bares ou cafés ali perto. Outros ter-se-ão - a avaliar pelas garrafas de vodca, rum, vinho e cerveja que esvaziam - abastecido num hipermercado ou numa loja de conveniência próxima. Com a mesma facilidade com que o fizeram nas semanas anteriores.

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